Pinhel
Não tardes... olha o nosso entardecer,
Tantos anos... eterna namorada,
Amante pelo lápis desprezada,
Sem carvão... já cansado d'escrever!
A força maior que nos faz viver,
Na negridão da muralha ausentada,
Numa ameia escura, só acantonada,
Terno coração a desfalecer!
Mas o melhor lugar é o teu abraço,
Onde me recomponho do cansaço,
No nevoeiro carpindo minha dor!
Na penumbra do vale onde caminho,
Terei sempre um afago de carinho,
Em ti escrevendo uma carta d' amor!
São vivências atribuladas,
Que não poderei esconder,
Ficarão dissimuladas
Até que alguém os queira ler.
Faça-se luz brevemente
Cada um em sua mente
Assim é a roda da vida.
Apareça alguém novamente,
Que cantando pausadamente,
Restabeleça a causa perdida.
Infância
Se bem me lembro, claro!
Como se fosse hoje,
Sim, o crepitar da lenha na fogueira,
Fazendo uma roda, sentados à lareira,
Rebanhos cintilantes no morrão da caldeira,
E, aquele vinho bom a sair da torneira,
Melhor casta, formosa videira.
Se bem me lembro, claro!
Como se fosse hoje,
Sim, o quarto frio onde nasceste,
A nossa aldeia onde cresceste,
A tal escola onde aprendeste,
E aquela capela onde meditavas,
Orações do Senhor? Tu não rezavas!
Se bem me lembro, claro!
Como se fosse hoje,
Sim, ao chafariz ora indo ora vindo,
Rapazes seguiam, raparigas sorrindo.
Principalmente em cada domingo,
Naquele bailarico no adro da igreja,
Cada um se escondia, a mãe que não veja.
Se bem me lembro, claro!
Como se fosse hoje,
Sim, aquela criança que quase nua,
No meio das galinhas brincava na rua!
Chama p’la mãe que não é sua.
Grande miséria assim seria?
Viver com tão pouco, mas tanta alegria!
Aniversário
I
Que maravilha, que doce viver,
Repasto real com arroz ou puré,
Água na boca fazendo crescer,
Franguinho assado pronto a comer,
Qualidade de vida assim é que é.
II
Ardia a lenha sob a caldeira,
Infusão de ervas tão fumegante,
Já nada restava na assadeira,
Encostados à mesa mesmo à maneira,
Comendo bolacha, doce e crocante.
III
Velas nem vê-las, bolos não havia,
Vinho do bom, a sair da torneira,
Rica pomada, nem provoca azia,
Pouca quantidade mal não fazia,
Era divinal esta brincadeira.
IV
O que não havia, falta não fazia.
Ainda hoje juntos nos lembramos,
Quão sóbria a nossa alegria,
Recordo com uma certa nostalgia,
Era tão bonito o dia dos teus anos.
O Libertador
Canta o poeta errante, o nosso pranto,
Angustiado, ai Fernando Pessoa,
Chegou o momento de afastar o manto
Oh, que mensagem, sublime encanto,
É a hora, É a hora, de subir à proa.
Ou D. João Segundo, o sublimado,
Venham os três numa manhã de Janeiro,
É a hora de surgir do nevoeiro,
Ao menos um, á tanto tempo esperado.
Um povo inteiro que brada aos ais
Ergamos o rosto, acabe-se o pranto,
Venham daí dizimar os chacais,
Acabemos em terra c’os sargaçais,
Pois no mar, a raça lusa pode tanto.
Quem vos poderá trazer? Ninguém!
Heróis nossos, sublime eloquência…
Rasgando o mar, o mostrengo vem,
À deriva nas ondas esperamos alguém,
Depressa, evitai a decadência.
PÁTRIA MÃE
È quase uma ilha esta terra de ilusões.
Que maravilhosa beleza encanto de país,
Este recanto que eu canto, é de Camões,
E de Bocage, assim se diz e rediz.
Grandes poetas, maiores feitos históricos,
Que salvou a nado o corajoso Luís,
Grande Vaz, de vícios alegóricos,
Á muito jaz, este rapaz de cariz.
Ao menos um, que da terra brote,
Traga poemas dentro de um pote,
Venha ver sua terra descarnada.
Senão venham os dois, ou um magote,
Todos os poetas, venham a trote,
Salvar sua pátria muito amada.
O REGABOFE
É bom tão bom, este viver,
É de todos pública esta função,
Discernimento p’ra nada fazer,
Amando a vida, e a reinação.
Centro do Emprego, bate-se à porta,
Emprego, Sim… se não for exigente.
Trabalho, Não… o que importa
É a reformazita p’ra gente.
Pois é, vem de cima este exemplo,
Aqui em baixo, eu os contemplo,
Bem se mama, melhor se come.
Cá em baixo, é fome e esperança,
Venha um dia a bonança,
Que agora só já temos fome.
“O ZÉ PASTOR do PEREIRO”
No alto socalcos, o penedio,
Avisto a terra, na fraga onde nasceu,
Catita aldeia, onde reina o frio,
A mocidade foi lá que a perdeu.
Avisto ovelhas, ouço o seu balir,
De leve se afagam nos carvalhos,
Nos pendores da serra estou a ouvir,
Melancólico tanger de seus chocalhos.
O sorriso no rosto do pastor,
Que nutre pelas ovelhas maior amor,
Continuamente vive a sonhar.
A maior liberdade são seus anseios,
Beber da natureza sem receios,
Perder-se… p´ra se voltar a encontrar.
A AVÓ
Lavadeira que lava, é tão nobre,
Lençóis de linho de mil bordados,
Por causa do vinho, causa tão pobre,
Gerou sem razão, desígnios louvados.
Em família abastada ela viveu,
Houve um percalço, fruto de enganos,
O impossível atingiu-a, aconteceu,
Desígnios da vida, tão desumanos.
O marido emigrou. Infeliz coitado…
Vida dura, inóspita e vil.
Sensível causa, enorme pecado!
Sem lençóis de linho, bordados mil.
A dignidade muito abalada,
Aldeia pequena, maior vergonha,
De casa dos pais foi afastada,
- Os pés nunca mais aqui ponha!
Na casa sombria tudo lhe falta,
Cozinha vazia, é fraco o alento,
Lidando na casa, a noite já alta,
Durante o dia ganhando o sustento.
A caminho da igreja quando a viam,
Com a petiz sempre acompanhada,
Algumas impuras dela se riam,
Da nova vivência amargurada.
Lavadeira que lava o linho,
Com suas lágrimas maior brancura,
Calcorreia as pedras do seu caminho,
Faz pela vida com muita bravura.
Tantos anos assim nesta vida,
Parca de enganos, isenta de afectos,
Um objectivo sagrado na vida,
Ser mãe dos filhos, e mãe de seus netos.
CUMPLICIDADES
Vagueiam na minha mente desperta,
Lembranças esporádicas, reais
Adolescência vivida, gente esperta,
Os carros de bois chiando nos currais.
E tu contemplando esta paisagem,
Aldeia prenhe de beleza infinita,
De quando em vez alguma aragem,
Na tua face cálida, bonita.
E eu na minha infância enredado,
Laços que não consigo desprender,
Bastou eu me ter lembrado,
Para o destino voltar a acontecer.
É verdade, lembraste da escola?
Claro do intervalo, que brincadeira,
E a velha Celestina com a sacola,
A pedir ajuda coitada, que canseira.
E tu olhando-a com desgosto,
Ficavas tão triste o dia inteiro,
Eu aprendi a ler no teu rosto,
O sorriso estampado de Janeiro
O nosso jardim com as flores,
A bonita roseira que a escola tem,
O malmequer desfolhando amores,
Bem-me-quer, mal-me-quer quer-me bem.
Pela manhã, quando o sol desperta,
Esperavas por mim no terreiro,
Tu eras aquela menina esperta,
Andavas no quarto, e eu no terceiro.
Mandava aquele rapaz, parente meu,
Papelitos de amor de quando em vez,
Palpitava o seu coração pelo teu,
Era enorme a sua timidez.
E no S. Martinho, em Novembro,
No lavadouro que brincadeira
Claro ainda agora me lembro,
Queríamos ascender a fogueira.
Depois à noite o borralho,
Queríamos que fosse eterno,
Era para servir de agasalho,
A este carinho tão fraterno.
No natal era ponto assente,
Pondo o sapatinho no lugar,
De manhã e quase sempre,
Algo iríamos encontrar.
Acordados, a sonhar, ou a dormir,
De mansinho aí vem, pé ante pé,
Assim escorregando sem cair,
Silenciosamente p’la chaminé.
Eternamente eu te dou vivas,
Por estes momentos lembrados,
Espero que ao leres revivas,
Estes anos já passados.
Outros tantos ainda vivas,
Revivendo o tempo passado,
Para que ao folhear me digas:
- Afinal tu estás bem lembrado.
P'la madrugada, o sol encoberto,
Alva farinha no saco de linho,
Vinhas devagar, o passo era certo,
Já sorria, não estava sozinho.
Jorrando liquido, sempre por perto,
A mó rodava tão de mansinho,
Linda paisagem, o canal aberto,
Água correndo para o moinho.
Uns anos mais tarde, trinta talvez,
A conduta da água o que lhe deu,
A esbelta mó desapareceu!
Não mais voltarei, nem mais uma vez,
As silvas são tantas, o que aconteceu,
Ninguém s'importou com o que era teu.
Esta brisa suave, no mês de Agosto,
De preto vestida... senhora pobre,
Velhinha... que acaricia o meu rosto,
Reúne o rebanho, após o Sol-posto,
A sopa serve... o pão desencobre.
Uma breve oração... é muita a fé,
É grande o sorriso, enorme a destreza,
Bancos há poucos, ficamos de pé,
Peguilho repartido, assim é que é,
Momento sagrado, em volta da mesa.
Uma candeia, lá vai debitando,
Alguma luz,nenhum contratempo.
Pega na côdea, já vai labutando,
Na masseira, o pão amassando,
P'ra me sorrir, ainda tem tempo.
Como é possível, uma vida assim,
Feliz com tão pouco, tanta pobreza!
Por vezes a tempestade não tem fim,
Numa casa de pedra, e barro ruim,
Abriga a família... que riqueza.
Teus queixumes teus lamentos
No mais profundo do meu ser guardados
São chacota de sentimentos
Crianças sem nada e tão felizes
Lágrimas derramadas
Páginas de dor sofrimento
Afinal de que te queixas
Afinal o que te falta
Crianças descalças disputam um naco de pão
Existências de algibeiras vazias
Tão cheias de vida confiantes
Num futuro próximo que se avizinha melhor
Perturba-te a abundância
O exagero do que tens e não consomes
Tudo se perderá e tu também
Nada do que possuis é teu
Tudo se desprenderá nesta efémera passagem pela vida
Moribunda de afetos
Tudo findará num dia cinzento
Mas porquê porquê agora
Esse raio de sol que não compareceu
Motivou talvez essa entrada de rompante
No vazio
Lançada para o meio do nada
Coração arrebatado dessa janela tão alta
Teus queixumes teus lamentos
Quem te convenceu que ganharias asas
Se tu nunca soubeste voar
Coragem mundo novo
Outro Abril há-de nascer
Gravado na alma do povo
Em mais um amanhecer
E quando o abutre perecer
Devorador sem piedade
Há-de outro cravo florescer
Das cinzas... a liberdade
Florirá uma nova Atenas
Não será na Grécia apenas
Mas na Europa e no Mundo
Se me quiserem calar
A Alma terão que arrancar
Deste pobre vagabundo
Deambulam pelas ruas
Deslocam-se para aqui para além
Conforme o toque do vento
Essa brisa suave fria
que lhes marca o rosto a face
Sim ao sabor do vento
Não sabem para onde vão
Nem porque se movimentam
Mas sabem que chegarão
A parte nenhuma
A um vazio intemporal...
Quem são?
Gente, pessoas!
Opção tão grata por ti escolhida,
Difíceis momentos que passas na vida,
Aquela mãe que a filha adora,
Vinham da Cerdeira àquela hora.
Interrompe-se a ida, assim de repente,
Choque frontal que grande acidente,
Hirto e firme, o bombeiro implora,
Levem daqui, a criança que chora!
Na ambulância alguém a conduz,
Acabou a esperança, seu raio de luz,
Descolorida, a mãe que jaz morta,
Pobre menina, que a bombeira conforta.
Uma menina que a outra transporta,
Até tem nome que nos importa,
Na mente outro acidente que ocorreu,
Pensa na avó que atropelada morreu.
Desígnios da vida, que crueldade,
Estradas portuguesas, que mortandade,
Choram as duas que pobre imagem,
Perdeu-se outra mãe, acabou a viagem.
Quis amar mas não sabia,
Distinguir o que era amor,
Sofri muito e, quando te via,
O meu coração tremia,
Aumentando o meu pavor.
Não sabia o que dizer
Pois aquilo que eu sentia,
Já estás mesmo a ver,
Sentimento p'ra valer,
Algo que eu não conhecia.
Num largo olhar, num lampejo,
Teu coração me seduz,
É a ti que eu desejo,
Ao acordar eu te vejo,
Fonte repleta de luz.
Sentimento? Não, loucura!
Batalha ganha a perder.
Livre? Prisão que perdura!
Dor, ciúmes, que amargura,
Amar tanto e tanto querer!
Fito o céu, eu vejo o mar
Tu numa onda com um véu,
Está turvo o meu olhar,
De em ti sempre pensar,
Olho o mar eu vejo o céu!
Sou da noite e vivo nela,
De dia suspiro a sonhar,
Só te vejo a ti donzela,
Não me apagues essa vela,
Á noite quando acordar!
Reinava a confusão
Naquela tarde de Agosto
Por causa da regionalização
E também dum fogo posto.
Rapazes vamos depressa
Anda o fogo no lameiro
Condutor toca a dar mecha
Directos a Vascoveiro.
Agarrada à escada
A bombeira vai segura
Percorrendo a estrada
Em cima da viatura.
O vendaval era grande
Fogo em mato rasteiro
De noite não há quem ande
O fogo chegou ao Pereiro.
É só barrocos Manel
Que andam aí a fazer
Regressem já ao Quartel
Vamos lá toca a mexer.
Quase em flagrante
Foi apanhado o imundo
Falem com o Comandante
Explicou o Segundo.
Não devem fazer queimadas
Nesta época de Verão
Senão ficam danificadas
As belezas da povoação.
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. ...
. Casa de pedra e barro rui...
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