Se vivo, não sei onde moro
Oh, destino, que minh'alma escureces
Sim tenho medo, mas não choro
Chora tu que já me conheces
Agarra-te à vida que eu te adoro
Porque comigo te compadeces
Então chora! Chorar faz bem,
A mente alivia como ninguém!
II
Alma penada posta de lado
Se agora existo, só sobrevivo
À bengala sempre agarrado
Vivi muito, mas já não vivo
A este destino estou amarrado
Coração cansado, apreensivo.
Devia ter feito ficou por fazer,
Tanto defeito, tudo a perder!
III
Perdi os amigos, alguns bem leais
Foram todos em debandada
Vivi a vida depressa demais
Foi-se perdendo na caminhada
Cumpra-se o destino e algo mais
Corria tanto sem andar nada
Tu sê diferente, vai devagarinho
Também chegarás ao fim do caminho.
Lavadeira que lava, é tão nobre,
Lençóis de linho de mil bordados,
Por causa do vinho, causa tão pobre,
Gerou sem razão, desígnios louvados.
Em família abastada ela viveu,
Houve um percalço, fruto de enganos,
O impossível atingiu-a, aconteceu,
Desígnios da vida, tão desumanos.
O marido emigrou. Infeliz coitado..,
Vida dura, inóspita e vil.
Sensível causa, enorme pecado!
Sem lençóis de linho, bordados mil.
A dignidade muito abalada,
Aldeia pequena, maior vergonha,
De casa dos pais foi afastada,
- Os pés nunca mais aqui ponha!
Na casa sombria tudo lhe falta,
Cozinha vazia, é fraco o alento,
Lidando na casa, a noite já alta,
Durante o dia ganhando o sustento.
Fustigar-nos-ão outros ventos,
Seremos uma terra a vender,
São de crise os novos tempos,
Para gáudio dos jumentos,
Já não importa saber ler.
O mandarim velha escrita,
Que rabiscos p'rã aprender,
Será a nova desdita,
Vejo gente tão aflita,
Que mais nos fará sofrer.
Há muita gente perdida,
Outra que se governa bem,
A divida ao ser vendida,
Se não houver mais comida,
Será comprada por alguém
Toca o telefone que entoa
Veste-se num ápice aprumado
Vibra a sirene que soa
Corre o Bombeiro apressado
A viatura veloz até voa
Um capacete à pressa enfiado
Uma vez mais sem sobremesa
E o prato esperando na mesa
II
Não compreendo esta loucura
Esta vontade de ajudar
É a mais nobre postura
Dão tudo o que têm p’ra dar
Nem a família os segura
No aconchego de seu lar
Uma vez mais sem sobremesa
E o prato esperando na mesa
III
Os braços nunca baixar
Aos bombeiros honra se faça
Destemidos vamos lutar
Na bravura e na desgraça
Sempre prontos a ajudar
Á cem anos que isto se passa
Sem sobremesa uma vez mais
E os filhos esperando os pais.
Tu que me querias lançar as garras,
Que despropósito ou leviandade,
Liberto estou dessas amarras,
Eu que prezo tanto a liberdade.
A liberdade espiritual
No meu rebanho terei presente
Cativo estou, não te quero mal
Nunca cederei, só se demente.
Perdoa-me, sou bom cristão,
A Deus pertenço, é meu caminho,
Dá outro alento ao coração,
Encontrarás um outro ninho,
Sê consciente na reflexão,
Vai! Não te percas passarinho!
Sublime Estrela
Quando o sol, do sono se espreguiça,
Raia no negrilho ou no carvalho,
Aurora vem, a natureza atiça
Vendo o aldeão a ir á missa,
Vai lavando a cara no orvalho.
E quando a seguir tudo escurece,
Vem a noite, a noite cálida, fria,
A bola roda e quando amanhece,
Eis a sucessão que nos entristece,
Vem outro, e outro, um novo dia.
E quando á tarde brilha e desce,
Na janela raia e descortina,
Há uma nuvem na minha prece,
Á noite no horizonte aparece,
Finda o fim de tarde, é a neblina.
É assim o astro rei na sua aurora,
Que volta sem pedir seja o que for,
Que vontade, que prazer tem ele agora,
Quente e tão afável ao ir embora,
Finda o dia, pisca o olho que esplendor.
Ao fim de tarde, a prima já espreita,
Feito foi, um pacto real entre os dois,
Um vigia enquanto o outro se deita,
Nunca se juntam na roda perfeita,
Agora na cama um, o outro depois.
Toda a constelação nos acompanha,
Tão harmoniosa, ó mãe natureza,
És cálice de vida que amanha,
Para que cada um de nós assim tenha,
Faculdade p'rã sentir esta beleza.
O cálice do amor
Quando me é estendida a mão,
E do teu cálice me dás de beber,
Estremece em mim o teu coração,
És um novo alento em meu viver.
Quero mais, insensível loucura,
Carinho, de amor ficar repleto,
Serei um quadro teu, sem moldura,
Na tela um esboço incompleto.
Provoca em mim este teu parto,
Dá vida á vida que vai nascer,
Sorri ao menos, ergue o semblante.
Farto estou, mas se não me farto,
Já não consigo compreender,
Este vazio tão inconstante.
O banco do jardim
Encostado ao banco eu ando,
Tanta gente vejo a passar,
Á beirinha me vou chegando-
Se alguém se quiser sentar!
Passo os dias aqui sentado,
E tu passas junto a mim,
Ao passares olhas de lado,
Vais-te rindo mesmo assim.
Finalmente chegou a hora,
Me vou já daqui agora,
Vou saindo do jardim!
O banco te vou deixar,
E quando te vieres sentar,
Já te não rirás de mim!
A Avó
É nestes dias de chuva qu’eu choro,
Quero o sol raio de luz, esperança,
Minha avó, penso em ti, eu te imploro,
Passou, não serei mais essa criança!
Aqui fiquei, sozinho abandonado,
E tu aí em cima, já não és,
Deste mundo vil, desorientado,
Ao sabor de ventos e marés!
Já que foste embora e me deixaste,
Sem um abraço de despedida,
Nem sequer me dizeres quanto me amaste!
Zela ao menos p’la minha vida,
Lá junto ás estrelas onde ficaste,
Vejo no céu uma rosa florida.
Erros meus, Errante sou…
Agora que em ti, um novo alento
Procuro, sem achar sequer,
Fuji, ganhei asas com o vento,
Mundano! Num leito qualquer.
Tarde na vida volto agora,
Assim raiando a sina escura,
Mereço ouvir um “vai-te embora”
Sou no fim da etapa, amargura!
Só esse enorme coração,
Pra me dar tamanha lição,
Venha eu de onde vier,
Não mereço este perdão,
Bem lá no fundo, é compaixão,
Porque perdoas tu mulher?
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. ...
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